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SETOR DA CONSTRUÇÃO E A GERAÇÃO DE RESÍDUOS: A NECESSIDADE DE DISCUSSÃO DE UM NOVO PARADIGMA

 

João Alexandre Paschoalin

04/05/2017

A importância econômica do setor da construção

Os benefícios proporcionados pela construção civil são indiscutíveis. Segundo pesquisa feita pela Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (ABRAMAT), mencionada pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a cadeia produtiva da construção representava em 2009 cerca de 8,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e empregava mais de 10 milhões de pessoas.

Em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2010, foi observado um crescimento do PIB setorial desta indústria de 11,6%, além de terem sido gerados, neste mesmo período, um total de 329 mil vagas formais no mercado de trabalho. Segundo o Sinduscon/SP, embora o nível de empregos formais tenha se mantido estável até o mês de outubro de 2013, ainda assim acumulava um crescimento de 0,77% em doze meses.

A indústria da construção civil consiste em um importante termômetro da economia de um país, sendo um dos primeiros setores produtivos a responder ao crescimento econômico e a oferta de crédito, entretanto, também consiste um dos primeiros setores a apresentar queda em tempos de baixo crescimento econômico ou recessão. No final do mês de maio de 2014, o IBGE divulgou que o PIB da construção havia caído cerca de 2,3% no primeiro trimestre deste ano em relação ao último trimestre de 2013. Em consequência, o Sinduscon/SP revisou a previsão de crescimento da construção, chegando a valores entre 1 e 2%.

Ressalta-se que a previsão inicial situava-se em 2,8% caso o PIB brasileiro se mantivesse em 2,0%. Esta redução na previsão de crescimento do setor da construção se deve principalmente a redução no ritmo de investimentos públicos em obras de infraestrutura e habitação, e da queda de investimentos efetuados por agentes privados e famílias no setor imobiliário. Pesam neste cenário a escassez de mão de obra qualificada e maiores dificuldades de acesso ao crédito para capital de giro.

Entretanto, mesmo apresentando um pequeno crescimento neste ano, a construção ainda destaca-se em um importante setor produtivo, figurando como um importante agente de desenvolvimento do país, uma vez que é responsável também pela redução dos déficits habitacional e de infraestrutura. A construção civil também é caracterizada pela sua cadeia produtiva abrangente, conforme mencionado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

Esta cadeia inicia-se no processo de extração das matérias primas naturais, passando pelo beneficiamento e industrialização destes materiais, pelas etapas de realização e comercialização de projetos, planejamento e financiamento, pela construção propriamente dita e ainda pelos serviços posteriores de manutenção e reforma na fase de ocupação da edificação.

A construção civil como geradora de resíduos

Apesar de sua importância para o desenvolvimento econômico e social do país, a construção civil arca com o ônus de ser um ramo da indústria responsável por impactos ambientais significativos oriundos de suas atividades. Silva e Fernandes (2012) apontam que este setor consome uma grande quantidade de recursos naturais, além de gerar um volume elevado de resíduos; cerca de 40 a 60% dos resíduos sólidos urbanos (RSU) produzidos diariamente nas cidades têm origem no setor da construção civil.

De acordo com dados da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE, 2012) a quantidade per capita no Brasil de resíduos de construção civil (RCC) coletada, comparando-se os anos de 2010 e 2011, cresceu aproximadamente 6%, ou seja, de 0,618 kg/hab/dia para 0,656 kg/hab/dia. Este incremento correspondeu a uma massa adicional de 7.195 ton/dia recolhida.

A destinação dos resíduos de construção civil (RCC) consiste em uma problemática atual e com urgência de ser sanada. Sabe-se que, quando não devidamente descartados, os RCC poderão causar sérios problemas de saúde pública, uma vez que podem servir de abrigo para desenvolvimento de roedores, insetos e vetores patogênicos. A deposição irregular de RCC também causa a depreciação imobiliária das áreas em que estes foram lançados, obstrução a sistemas de drenagem urbana, deslizamento de encostas, poluição de cursos d’água e do lençol freático.

Aspectos normativos a respeito dos resíduos de construção civil (RCC)

Apesar da importância acerca da problemática do manejo e gestão dos RCC no Brasil, somente no ano de 2002 foi publicada em 5 de julho a resolução número 307 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que teve por objetivo apresentar definições e atribuições de deveres e responsabilidades aos geradores de RCC e fixar prazos para as administrações públicas elaborarem e implantarem planos de gestão para os resíduos de construção e demolição.

A resolução no 307 Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) também traz a classificação dos RCC em diferentes classes em função de suas características, além de apresentar formas de destinação destes de acordo com suas classificações. Dentre as formas de destinação citadas, a resolução CONAMA no 307/2002 apresenta alternativas como reuso e reciclagem dos resíduos, envio à pontos de entrega voluntária, áreas de transbordo e triagem, Usinas de Reciclagem de Entulho e aterros licenciados.

Dessa forma, os RCC não poderão deverão ser dispostos em aterros de resíduos domiciliares, em áreas de “bota fora”, encostas, corpos d’água, lotes vagos e em áreas protegidas por lei, ficando de responsabilidade do gerador a destinação dos resíduos produzidos de acordo como o apresentado na resolução.

Anteriormente a promulgação da Resolução nº 307/2002 do CONAMA, o Brasil dispunha da Norma Brasileira NBR 10.004 -“Resíduos Sólidos – Classificação”, publicada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) no ano de 1987, que servia de referência quanto à classificação dos resíduos sólidos. Após a entrada em vigor da Resolução CONAMA no307, a NBR 10.004 de 1987 sofreu uma revisão e foi publicada novamente no ano de 2004 com alterações, complementações e atualizações que vinham de encontro com as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável em discussão desde a sua primeira publicação.

Posteriormente, no ano de 2010, a problemática dos resíduos da construção civil no Brasil foi tratada pela Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), por meio da lei no12.305/2010. Guedes e Fernandes (2013), apud Duarte (2013), sugerem uma linha do tempo, após levantarem os principais instrumentos legais e normativos de abrangência nacional que abordaram a questão dos RCC.

Importância da incorporação da variável ambiental no manejo dos RCC

Apesar da construção civil figurar, por toda sua cadeia produtiva, como responsável por uma forte “pegada ambiental” esta, de uma forma geral, ainda é baseada em processos executivos conservadores e tradicionalistas, que muitas vezes causam sobreconsumo de materiais e perdas significativas durante as obras, que são potencializadas pela baixa qualificação e alta rotatividade da mão de obra.

Dessa forma, para que seja pensada a inserção da variável ambiental no setor da construção, devem ser avaliadas todas as fases de sua cadeia produtiva, procurando-se aplicar e desenvolver ferramentas e procedimentos que tenham por objetivo a melhoria dos processos envolvidos, desde a etapa de extração das matérias primas, passando pela adoção de soluções sustentáveis nos projetos, sistemas construtivos e pós-ocupação das edificações. Em relação aos RCC, uma vez que a sua geração é algo que não pode ser totalmente evitada, devem ser tomadas ações que promovam a mitigação do impacto destes no meio ambiente, tanto urbano, como natural.

Uma simples ação, como a triagem dos RCC dentro do canteiro, já pode resultar em ganhos ambientais e econômicos podendo reduzir custos de transporte e possibilitar a venda dos resíduos a empresas recicladoras. A reciclagem consiste em uma interessante ferramenta no manejo dos RCC, uma vez que possibilita agregar valor aos resíduos gerados, reinserindo-os na cadeia produtiva.

A reciclagem proporciona a redução dos custos envolvidos na aquisição de matérias primas e insumos, com transporte para deposição final dos resíduos, e alivia os aterros. Além dos aspectos ambientais e econômicos, a reciclagem dos RCC também oferece benefícios sociais, uma vez que possibilita a formação de nova cadeia de trabalho, gerando emprego, renda e qualificação de uma população excluída do mercado formal de trabalho. Temos também a melhoria do ambiente urbano (uma vez em que se reduz a deposição irregular dos RCC), na saúde coletiva e a possibilidade de utilização de artefatos advindos da reciclagem dos RCC na construção de obras de interesse social, benfeitorias, e manutenção do equipamento urbano.

Considerações Finais

Portanto, diante do explanado, conclui-se que a construção civil, mesmo apresentando modesto crescimento em 2014, ainda se mantém como importante a gente de desenvolvimento socioeconômico. Contudo, o setor também é responsável por um forte impacto ambiental advindo das diversas atividades que compõem sua cadeia produtiva.

Diante disso, é de grande importância que sejam repensadas pelo setor o conservadorismo excessivo de algumas técnicas executivas e de projeto que ainda podem ser encontradas em muitas obras, e sejam adotadas ferramentas de manejo e gestão que promovam a mitigação dos impactos causados e a inserção da variável ambiental em suas atividades.

 

Referências utilizadas

ABNT NBR 10004: Resíduos Sólidos – Classificação. Rio de Janeiro, 2004. 71p

CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução nº 307, de 05 de julho de 2002. Estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil. Diário Oficial da União nº 136, Brasília, DF, 17 de julho de 2002.

ABRELPE. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2012. São Paulo, SP, 2012.

BRASIL. Lei nº 12.305 de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências.

CBIC- Programa de Construção Sustentável – Desenvolvimento com Sustentabilidade. São Paulo-SP. 2010.

DUARTE, E.,B.,L. Estudo das resistências à compressão axial de uma argamassa composta por resíduos de construção e demolição e PET em flocos em diferentes dosagens. Dissertação (Mestrado). Universidade Nove de Julho, 2013. 172p.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008. 219 p. Brasília: IBGE. 2010.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos Municípios Brasileiros 2011. 363 p. Brasília: IBGE. 2011.

LINTZ et al. Estudo do reaproveitamento de resíduos de construção em concretos empregados na fabricação de blocos. Revista IBRACON de Estruturas e Materiais, São Paulo, v. 5, n. 2, abr. 2012.

SECOVI/SP – Sindicato da Habitação. www.secovi.com.br. Acesso em julho de 2014

SILVA, V. A.; FERNANDES, A. L. T. Cenário do gerenciamento dos resíduos da construção e demolição (RCD) em Uberaba-MG. Revista Sociedade & Natureza, ano 24, n. 2, p. 333-344, mai. / ago. 2012.

 

João Alexandre Paschoalin Filho é Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto/Portugal, Doutorado e Mestrado em Engenharia pela Universidade Estadual de Campinas/Unicamp e Graduação em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Lavras/UFLA. Atualmente é professor da Universidade Nove de Julho, além de ser professor pesquisador do Programa de Mestrado em Gestão Ambiental e Sustentabilidade.